ESTRESSADA COM AS REGRAS DO AUTOCUIDADO? 'ESQUEÇA OS PROTOCOLOS E FAÇA SÓ O QUE FUNCIONA E DÊ PRAZER', AFIRMAM ESPECIALISTAS

  O autocuidado não pode ser mais uma forma de pressão

Estressada com as regras do autocuidado? 'Esqueça os protocolos e faça só o que funciona e dê prazer', afirmam especialistas

Mulheres dizem se sentir sobrecarregadas com check list de como se cuidar

Por 

Constança Tatsch

 — São Paulo

10/12/2023 04h31  Atualizado há uma semana

Você tem que beber água, tem que dormir bem, tem que comer corretamente, tem que meditar, tem que estar magra, tem que fazer treino aeróbico, tem que fazer check up, tem que ir à terapia, tem que dormir oito horas, tem que encontrar as amigas, tem que estar bem.

É muito “tem que”, não? Para especialistas, o autocuidado, que deveria ser um olhar generoso das pessoas consigo mesmas, em especial das mulheres, pode estar se tornando mais uma sobrecarga em meio a tantas obrigações, como trabalho e demandas da família.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declara que o autocuidado é a capacidade de indivíduos, famílias e comunidades de promover a saúde, prevenir doença e manter o bem-estar. Mas como surgiu essa mentalidade?

A antropóloga Mirian Goldenberg, que tem mais de 30 livros publicados, acredita que a ideia de autocuidado surgiu para compensar uma sociedade cada vez mais individualista.

— Algumas palavras entram na moda, como autoestima, estresse... Agora é autocuidado, que acho que existe muito em função das mulheres não terem tempo para se cuidar porque cuidam de todo mundo. Mas poderíamos tirar o auto e falar sobre o que é cuidado hoje. É cuidar também de quem cuida para a pessoa não ficar tão estressada. Um cuidando do outro seria o ideal, mas isso não vai existir mais, vivemos numa sociedade egoísta — pondera.

De acordo com ela, quando se fala em autocuidado o alvo é, de forma geral, a mulher mesmo:

— Elas cuidam de todo mundo e ninguém cuida delas. O autocuidado masculino é totalmente diferente. Primeiro que os homens não se cuidam, quem cuida da grande maioria dos homens é a mulher, que leva ao médico, corta unha, escolhe roupa. Eles se reservam outras preocupações.

A questão central é que o que era para ser uma mentalidade positiva acaba virando mais uma forma de pressão, como muita gente vem sentindo.

— O autocuidado é uma coisa muito individual: correr e meditar pode ser bom para um, enquanto o outro quer descansar. Cada um precisa encontrar o seu. A gente vê essas regras, mas não dá para generalizar. Tem que diminuir a voz externa e aumentar a voz interna porque só você sabe o que gosta e o que cabe na sua rotina. Fica muito no “deveria”, “tem que”, e a pessoa deixa de entender o que faz sentido para si mesma — diz a psicóloga Julia Bittencourt, autora dos livros “Psicologia e saúde da mulher” 1 e 2 (Editora Conquista).

Cobrança

Segundo ela, é, sim, importante ter um tempo para si mesma, prestar atenção à saúde, ter prazer, hobbies, mas, às vezes, fazer uma coisa por dia por si mesma já é bastante dentro da rotina, no entanto a pessoa se cobra fazer dez coisas que ouviu falar e não consegue:

— Quando se pensa em comportamento humano tem sempre esse oito ou 80. Antigamente todo mundo estava na correria, trabalho, filhos, dar conta de um checklist sem se incluir nessa lista. Veio essa ideia de que a gente precisa se cuidar. É importante, mas talvez tenha ido para o outro extremo, tomar água com limão, fazer musculação, acordar 5h da manhã para meditar... A pauta da saúde está em alta e é essencial, mas não deve ir para o outro extremo.

A própria Mirian Goldenberg, que enfrenta uma situação pessoal difícil no momento, conta que, mesmo diante da pressão para que faça musculação, segue com suas caminhadas diárias.

— Autocuidado hoje para mim não pode ter a ver com mais uma obrigação e um trabalho. Eu caminho todo dia, isso faço desde os 8 anos, e sempre foi minha forma de elaborar os pensamentos, meus sofrimentos. Isso para mim é autocuidado, não é algo que alguém me disse. Tem que fazer musculação... O “tem que”, principalmente nos momentos em que a gente mais precisa, vira uma nova forma de pressão e sofrimento. Porque além de tudo você se sente culpada por não fazer o “tem que”. Autocuidado é importante, mas é individual. Não pode vir de fora — explica.

A solução para isso a antropóloga busca na filosofia estoica: o princípio básico é você agir o máximo e melhor naquilo que tem controle, e evitar que afete sua vida o que você não tem controle.

—E, dentro disso, viver a vida da melhor forma possível, ter uma vida equilibrada. Mas vai acontecer um monte de coisa, tem gente que se cuida 100% e morre num incêndio, ou afogada — afirma Goldenberg.

Estética

Há muito tempo se ouve críticas de que alguém, em geral uma mulher, é descuidada. Estaria o lado estético relacionado ao autocuidado? Não deveria.

— Existe o autocuidado da saúde física, mental e espiritual e existe o cuidado da aparência, que não chamaria de autocuidado. Essa ideia de que se você não é vaidosa, você não se cuida. Há 30 anos pesquiso mulheres e já ouvi isso 200 vezes. A novidade é que, com a pandemia, as pessoas passaram a priorizar o que é cuidado de verdade. A questão estética para algumas mulheres pode ser uma coisa importante. Tem que compreender a lógica de cada pessoa, sem julgar — afirma a antropóloga . —Cabe a cada uma de nós decidir o que realmente é importante apesar da pressão. Não somos vítimas indefesas, a maturidade é a autonomia de escolha. Tem pressão, mas não faço a unha, tem pressão, mas não faço musculação — completa.

Julia Bittencourt segue na mesma linha. Fazer a unha, pintar o cabelo, fazer tratamentos de pele, estar magra ou bem vestida. Quanto é pressão externa para estar bonita e quanto é uma coisa que te dá prazer ou te faz bem?

— A pessoa tem que avaliar o que serve a ela e o que serve ao outro — alerta.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/bem-estar/noticia/2023/12/10/estressada-com-as-regras-do-autocuidado-esqueca-os-protocolos-e-faca-so-o-que-funciona-e-de-prazer-afirmam-especialistas.ghtml


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